O que ouvi entre Estafermo e
Gioconda!
por jlcaon@terra.com.br Em 140515
ESTAFERMO: “Teus textos são REBARBATIVOS.
Por isso as pessoas não te leem”.
GIOCONDA: Eu esqueci em seguida o
termo e me surgiu, no lugar do termo esquecido, o termo “BÁRBARO”, “FINESSE” de
Pascal. Depois, me lançado para a recuperação do esquecido, me veio os termos “APLANADO”,
“POLIDO”, “GEOMÉTRICO” de Pascal.
Todavia, quando me dizias que não me
leem, porque meus textos são REBARBATIVOS, eu me senti reconhecida e
triunfante.
- É isto mesmo, Estafermo. Eu
escrevo como psicanalisante. Não escrevo para ser lida, para ser citada. Eu
escrevo para ser ouvida naquilo que fica nos entrescritos. Eu escrevo também
para que os outros escrevam. Eu não escrevo para que meu texto seja citado ou
estudado. Eu escrevo para que outros textos possam ser escritos.
Mais. Não preciso nem devo acolher o
conselho de Lacan de que o texto pronto deve ser lançado ao publixo, isto é, à
publicação. Não preciso nem devo seguir o conselho dele, porque meu texto nunca
vai ficar pronto para ser lançado ao publixo.
Eu escrevo textos como quem escreve
cartas. E se escrevo cartas na internete, escrevo como a participante de um grupo de pessoas
onde se conversa com o outro na frente e na escuta de outros. É só reler a
proposta da CES em diálogo com o jornalista e escritor Carlos Fernando KARNAS.
E então?
E se escrevo para um outro na
Internete, escrevo para esse outro, na presença de todos os outros, isto é,
escrevo de tal forma que possa ser ouvida, no caso lida, POR CADA UM DE TODOS
OS OUTROS.
Atualmente, não é mais preciso
esperar que alguém recolha as cartas de um missivista e as publique, para que
todos os outros, fora o receptor, compartilhem o texto do missivista. Agora,
aquilo que é como carta rebarbativa é, em primeiro lugar, arte de bem dizer de
psicanalisante, diferente da arte de bem dizer do escritor descompensado nas
construções lógico-retóricas ou retórico-lógicas.
Mais. Agora essa arte de bem dizer de
psicanalisante, em cartas rebarbativas, pode ser enviada, em cima do lance, pelo
missivista, tanto para o receptor a quem primeiro foi endereçada, como para outros
receptores que compartem o mesmo lugar do receptor privilegiado.
Essa situação é uma outra forma de
existência nossa de cada dia, existência essa que, por falta de outros termos
ou expressões de linguagem, designo de “existência digital”.
E então? Vale a pena reler o portal da
CES (comunidade epistolar solidária)?
Grupos de escritores profissionais e
amadores que escrevem a leitores que escrevem.
A maior revolução pedagógica acontece
nos momentos em que a classe de aprendentes fica disposta em círculo, onde um
participante enxerga a todos e todos enxergam a um, e onde cada participante,
em PÚBLICO, dirige a palavra a UM interlocutor que, por sua vez, lhe responde,
imediatamente e em público.
Trata-se de modalidade de exercício do
diálogo vivo e prático, como Aristóteles teoriza em “Tópicos”, Kant em “Lógica”
e H.P. Grice em “Lógica e conversação”
No ambiente escritural, essa forma de
interatividade dialogada se dá, em parte, por cartas enviadas pelo correio
comum. Todavia, as cartas não costumam ter publicidade imediata. Sabe-se
raramente de carta publicamente enviada a um interlocutor. Esses são os limites
em que estava a literatura epistolar.
Atualmente, graças à invenção do correio
eletrônico e à organização de grupos internéticos, como os grupos yahoo e
facebook, a literatura epistolar pode ser PUBLICAMENTE retomada, redimensionada
e praticada no momento mesmo da sua produção, democratizando, assim, o ambiente
internético, como se democratiza o ambiente áulico.
É a interescritura em público que torna
capaz um escritor, profissional ou amador, a sair de sua solidão e a escrever
para o leitor que lhe escreve. Ganham os interlocutores, ganham os
participantes e ganha a democracia.
Carlos Fernando KARNAS, jornalista, e
José Luiz CAON, psicanalista, depois de diversas iniciativas, em ambiente
escritural, com grupos de participantes presenciais, semipresenciais e à
distâncias, postos imediatamente a escrever para leitor que escreve, estamos
animando mais essa iniciativa de literatura epistolar pública, em cima do
lance, nessas duas comunidades internéticas abertas ao escritor profissional ou
amador, disposto a escrever para o leitor que escreve.
De Caçapava (SP) e de Porto Alegre,
17fev2011