Vivências
intransitivas
e vivências
intransitivas de vivências reflexivas.
Por jlcaon@terra.com.br (121114460411)
As
vivências de nosso nascimento são vivências espontâneas e intransitivas. Elas precederiam
as vivências reflexivas, isto é, precederiam o reconhecimento que fazemos
dessas vivências intransitivas. Assim como nunca podemos sair do presente, -
que além de ser tempo presente é sempre dádiva, - pois que ninguém morre no
futuro nem no passado, assim também nunca podemos sair da vivência intransitiva
e espontânea de nossa vida. Podemos fingir que estamos mortos ou semimortos.
Mas, jamais podemos fingir que estamos vivos. Nem Fernando Pessoa poderia
fingir que estava vivo!
Todavia,
as vivências espontâneas intransitivas, sem o reconhecimento que podemos fazer
delas, ficam NÃO-NASCIDAS. Todas as
vivências intransitivas e espontâneas são da ordem de um saber que não se sabe,
saber impossível de qualquer autoconhecimento. NÃO-NASCIDAS, ficam NÃO-NASCIDAS.
Criancinhas
falecidas enquanto neonatas morreram sem ter ciência de terem sido gente.
“Essas criancinhas são anjinhos”, ouvimos nas conversações do cotidiano.
Vivências intransitivas e espontâneas
pelas quais passamos desde sempre que somos considerados gente, embora nem
sempre tenhamos ciência de que somos gente, jazem não-nascidas apesar de nossa
subjugação à fala da língua da comunidade em que se encontra nossa mãe, nem que
essa comunidade seja composta apenas de duas pessoas: mãe e criancinha.
Trata-se da comunidade de língua em que nossa mãe vive e fala, esse mar de voz
que não é pura voz como o são as vozes dos pássaros, mas que é voz que
desaparece enquanto voz para reaparecer em forma de falas, tipo tatibitate,
protolíngua, língua definitivamente.
Embora nossa mãe fale uma língua bem
complexa e refinada, a estrutura da língua que nos é proposta a ser falada é a
mesma. Suponhamos que nossa mãe exímia nadadora esteja no rio em que nós vamos
nos lançar. O rio é o mesmo, mesma é a água, a estrutura é a mesma: mas nossas
inserções e apropriações são diferentes. Enquanto nossa mãe e a comunidade em
que nossa mãe está falam fluentemente - nadam eximiamente - nós tatebitateamos,
isto é, falamos em protolíngua, enquanto nossa mãe e a comunidade em que ela
está falam em protodeuterolíngua.
Conclusão:
nossas vivências intransitivas e espontâneas que tivemos, somente poderiam
nascer quando as enunciássemos em falas, isto é, quando fazemos vivências do
reconhecimento de nossas vivências não-nascidas. É como dar nome de ‘inefável”
ao que escapa à nossa faculdade de fala. Mas, a palavra “inefável” enquanto
palavra não é inefável. Assim, essas vivências intransitivas e espontâneas, apesar
das vivências do reconhecimento, continuam NÃO-NASCIDAS E INEFÁVEIS.
Esse
processo de vivenciar o reconhecimento de vivências não-nascidas e inefáveis é
idêntico ao que fazemos quando falamos. Não é por nada que apenas quando
conseguimos usar algumas protopalavras, as usamos para dizer muitas coisas:
isto é, queremos dizer muitas coisas com uma só palavra ou com poucas palavras.
Uma frase que valesse por muitas, por exemplo, hoje é também chamada de
holófrase. Não seria isso que, sobrevivendo na protodeuterolíngua dos adultos, vai
se chamar de sensibilidade ou saber de poeta? Não é para essa substância inefável
e sempre não-nascida que aponta a escuta do psicanalista cujo ofício é escutar
aquilo que no dito do psicanalisante fica ainda não dito?
Mutatis mutandis, supondo que nosso
nascimento não se dá apenas quando saímos do útero materno, mas, nascemos em
diferentes circunstâncias e situações ao longo de nossa vida, não caberia
perguntar como é que nascemos para o envelhecimento?
Que
é que é mesmo um velho fresco, uma velha fresca, neovelhos, ainda deslumbrados
com as vivências intransitivas e espontâneas do envelhecimento? Seriam capazes
de falar desse nascimento aqueles que dele nem tiveram ou têm vivências
transitivas e espontâneas? E mesmo com vivências desse nascimento, - pois, pode-se
morrer sem reconhecer essas vivências, à moda das criancinhas falecidas
enquanto neonatas – como reconhecer essas vivências, se para elas temos tantos discursos
enlatados, prêt-à-porter, ready-made, pré-fabricados?
Com
isso, estarei propondo descartar todo e qualquer interlocutor
.1)
que não tenha tido vivências intransitivas e espontâneas de nascimento de
envelhecimento;
.2)
incapaz de ter um discurso original e próprio quando de fato tem ou teve
vivências de nascimento de envelhecimento?
Se
fosse possível, bem que descartaria a ambos, 1) e 2).
Todavia,
babaquices e discursos babacas embora sejam fumaça, não são fumaça sem fogo.
Mais, enquanto fumaça que denuncia fogo, esses discursos babacas não surgem e aparecem
como qualquer fumaça e fumaça de qualquer fogo.
Nossos
discursos DA velhice, tanto os discursos SOBRE a velhice, feitos por não
senescentes, como os discursos DE envelhecentes (produzidos por envelhecentes),
são discursos que não existem sem intensas poluições de babaquices.
E pelo
fato de não podermos respirar oxigênio puro e sermos obrigados a respirar oxigênio
poluído, nem por isso deixamos de respirar. Então, não podendo produzir
discursos puros, mas discursos embabacados, nem por isso vamos recusar os
discursos babacas ou deixar de produzir discursos mesmo tendo que nadar em
águas poluídas de discursos babacas.
Nessas circunstâncias e nessas
situações, cabe perguntar: em que tempo estou, em que lugar estou, com quem me
ponho a entabular conversação de envelhecente sobre envelhecentes?
Embora, os velhos tenham mais
presente a UTI FIXA em suas mentes, eles não podem dizer que já não estejam em
UTIs MÓVEIS!
Os velhos lidam mais frequentemente
com a dor, apesar de não estarem doentes; e lidam mais frequentemente com o
sofrimento, apesar de serem velhos e testados em muitos combates. Perante esse
estado de coisas, os velhos em geral dissimulam a dor que deveras padecem, a
dor do debilitamento dos sentidos, tipo surdez e enceguecimento; enfraquecimento
da memória, retardo e lerdeza na prontidão dos tecidos do corpo; a dor de
cansaço de viver e a lição mil vezes mal aprendida de que mesmo dormindo com o
outro no mesmo leito, cada qual dorme seu sono; que morrendo no mesma
circunstância e momento, cada qual morre sua própria e inalienável morte. Tudo
isso poderia ser deixado a esses geriatras que facilmente fazem o envelhecente
se considerar doente? O gerontólogo, se for envelhecente, é quem estuda o
envelhecimento, transformando a inelutável envelhecência em sábia
envelheCiência.
Um tema cuja atração está aumentando
é o tema do humor (gozação) dos velhos, tanto o humor feito pelos não-velhos
sobre os velhos, como o humor (gozação)
feito pelos velhos sobre os velhos.
Muitos não acreditamos que exista
morte ou que exista velhice. E precisaríamos acreditar nessas babaquices, quando
está escancarado diante de nossas caras que o morto e os mortos, sim existem; que
o velho e os velhos sim existem? E cada vez mais, temos mais mortos na história
da humanidade do que viventes. E será mesmo verdade que logo vamos ter mais
velhos na humanidade vivente do que não-velhos?
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