OS CORPOS: SEUS TOQUES, GESTOS, MARCAÇÕES, FALAS,
ESCRITURAS AFONÉTICAS E SUA PODEROSA ESCRITURA FONETIZADA
Por jlcaon@terra.com.br
O corpo goza da capacidade de tocar o corpo pelo qual é tocado. Essa capacidade é também conhecida como comunicação pele a pele. A lista das variantes dessa capacidade continua aberta e ilimitada.
O corpo goza também da capaciade da gestualização que, como o rubor, comunica algo para alguém, ou que, como o aceno, transmite também algo a alguém. Entendo que a gestualização pode ser tanto uma mudança na pele ou um movimento dos membros do corpo, dos olhos, da boca, etc. Qualquer gestualizçao de nada serve no escuro. Todavia, se os odores e ruídos de um corpo forem considerados um tipo especial de gestualização, então essa capacidade não fica anulada no escuro e apesar do escuro continuará a ser percebida por outro corpo.
O corpo deixa marcas no ambiente, que são como acréscimos, por exemplo, os excrementos, ou como escavações, por exemplo as pisadas. Podemos dizer que o corpo escreve, no dizer davinciano, tanto na categoria “da porre” como na “da levare”. Os desenhos mais primitivos são escrituras que pertencem a uma ou a outra ou a ambas essas categorias. Nesse sentido, a escritura enquanto pintura (da porre) ou escultura (da levare), precede a fala.
O corpo produz a voz. Boa parte dessa voz pode ser articulda em forma de fala; outra perdura como ruído. Até o presente um ruído especial, o clique, continua sendo tratado mais como curiosidade do que como elemento a ser estudado. Freud apontou um ruído vozeiro curioso de um paciente mais como curiosidade do que como enigma a ser estuado e pesquisado. E assim em geral procedem os psicanalistas!
A escritura, que inicialmente é um desejo, pintado ou esculpido, fica redimensionada quando ela se torna um sistema, como a escritura chinesa ou a escritura fonetizada. Deixo de lado, a escritura chinesa e parecidas, e detenho-me na escritura fonétizada.
Chamo de oralidade à voz articulada em fala e chamo de escrituralidade à escritura fonetizada.
A oralidade é a transmissão presencial e vozeira de estados mentais, percepções atuais, conhecimentos memorizados, etc., que vivenciamos em nossas alma. Chamo a atenção para a expressão “transmissão presencial e vozeira” que se dá através do meio comum daquele que fala e daquele que escuta, meio esse repleto de ar e de luz ou somente de ar.
Quando o meio compartido simultanea e presencialmente pelo orador e pelo escutador, isto é, pelos dois dialogantes, estiver repleto de ar e de luz ou só de ar, a oralidade pode ser substituída ou prolongar-se pelo toque do corpo noutro corpo, pela gestualidade do orador e visibilidade do escutador, pela marcas produzidas pelo corpo. De fato, há toques que são palavras, gestos, ruídos e odores do corpo que falam, marcas que dizem. Todvai, o escuro é limitante. O meio comum dos dialogadores pode carecer de luz, mas jamais de ar.
A situação psicanalítica de tratamento dá-se presencialmente, sendo que o meio repleto de ar e luz é comum para o psicanalista e para o psicanalisante. A situação psicanalítica de tratamento não desaparece caso venha a faltar luz natural ou artifical. Todavia, faltando luz natural ou artifical, o psicanalista convencional dependente de relógio cujos ponteiros ou algarismos não são luminosos teria que necessariamente interromper a sessão, pois que somente trabalha em tempo astronômico medido pelo relógio.
Antes do advento da escrita não-fonetizada, a memória gestual, oral, auditiva e visual eram recursos de que dispunham as culturas gestuais e orais para o armazenamento e a transmissão do conhecimento às futuras gerações. A inteligência e memorização se equivaliam e os anciões eram os mais sábios graças à longa experiência e o conhecimento acumulado.
O advento da escrita não-fonetizada dispensava e substituía a presencialidade tanto do desenhador como do visualizador. Todavia, a transmissão num momento dado pelo desenhador e a recepção noutro momento dado pelo visualizador ficavam e ficam muito limitadas.
Com a fonetização da escrita e consequente legibilidade, o emissor não precisa mais estar presente diante do outro no ato da confecção e redação da escrita fonetizada e o visualizador que agora é legedor não precisa estra presente nem no espaço nem no tempo. A presencialidade transitória desaparece, ou melhor, ela se torna ubíquia e sempre presente. Assim, o tempo que antes era tempo astronômico, agora toma outra natureza ou essência, torna-se tempo de linguagem: presente, passado, futuro com suas combinações.
As técnicas e os artifícios modernos, como telefone com e sem fio, as diferentes formas oferecidas pela internete, como chat, e-mail, webcam, etc., por mais que aproximem os dialogadores, às vezes, instantanemente, como se estivesse presentes fisicamente, modificam essencialmente o dialogo que se costuma chama “de bouche à oreille” (de boca a orelha). Toda técnica, seja telefone ou via internete, decodifica a mensagem emitida por um dialogador a qual é codificada tecnicamente e novamente decodificada para somente então ser codificada pelo outro dialogador. Assim, quando assisto a uma entrevista na televisão, não estou ouvindo a fala do entrevistado, mas a gravação da fala do entrevistado. Ora, fala e fala gravada não são a mesma coisa. A fala goza da transitoriedade e irrepetibilidade. A fala gravada perde essa qualidade, ficando engessada e perenizada. Aqui se encontra radical e fundamentalmente a exisgência da presencialidade transitória e irrepetível que, na situação psicanalítica de tratamento, permite o ato psicanalítico. Essa essa peresencialidade é condição de possibilidade, conditio sine qua non, para que se dê a situação psicanalítica de tratamento e conseguentemente o ato psicanalítico.
Então, para que serve essa maravilhos invenção do chat e e-mails? Prestanm-se para a prática de diálogos? Penso que sim, pois que tanto o chat como os e-mails permitem que se fale ao outro, contanto que as cordas vocais sejam substituídas pelos dedos gestando a digitalidade. A incapacidade dos dialogadores se entregarem a conversação por meio de falas em presencialidade instantânea e transitória fica mais desmascarada no ambiente virtual dos chats e e-mails. De fato, a incapacidade de dialogicidade virtual acusa e revela uma incapacidade primeira, radical, fundamental, uma arquincapacidade: a incapacidade da conversação dialogada presencial.
Esse texto que aqui fica provisoriamente interrompido demanda e clama por interlocuções em era de existência digital.
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