quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A matriz a partir da qual se encenarizam os episódios de cada noite das 1001 é um quarteto de protagonistas? Qual seria o quarto protagonista?


Um roteiro para ler o eMARanhado de histórias de “As mil e uma noites”.



Por jlcaon@terra.com.br



Eu morava em Nova Treviso, então Antônio Prado do Sul, atualmente, Nova Roma do Sul, em 1950. Estava lá, desde julho de 1948 e de lá saí definitivamente para nunca mais voltar em janeiro de 1953.

Devia estar completando dez anos, quando, numa tarde, na Fábrica de Palhas, no fundo da Casa Comercial “Bogoni/Ravanello”, interrompendo o trabalho de separar e escolher palhas de milho destinadas, posteriormente, noutro lugar, ao fabrico de palheiros, me ajuntei aos curiosos que assistiam à chegada do ônibus das dezessete horas. Ele vinha de Farroupilha via Nova Roma do Sul.

Entre os passageiros que desembarcavam do ônibus, desceu um velho. O motorista lhe alcançou, do bagageiro, três malas que foram levadas para dentro da loja, carregadas por três jovens solidários. Dizia-se que o velho era um arista e diretor de teatro.

De noite, no jantar, comentei o ocorrido e fiquei surpreso que meu pai que nunca falara em teatro, comentou: “É a Companhia de Teatro Luiz Vanzella”.

Na manhã seguinte, fui para a escola. De tarde, depois de almoçar, dirigi-me à repartição, no fundo da Casa Comercial, repartição que era chamada de “Fábrica de Palhas”. Na entrada da Casa de Comércio, estava afixado um grande cartaz, no qual li: “Companhia de Teatro Luiz Vanzella”.

Luiz Vanzella era um velho que fazia teatro de fantoches. Assisti a uma sessão, no salão da Casa Comercial que foi fechado, ficando nele somente os que tinham pagado a entrada. Não entendi as brigas do homem e da mulher e dos outros bonecos. Deviam ser enredos para maiores. Eu era uma das poucas crianças presentes. Foi a minha primeira experiência de teatro em minha vida.

Luiz Vanzella era empresário, diretor, apresentador, narrador, ator que falava no lugar de cada um dos fantoches. Mas ele não aparecia. Aparecia a fala dele em diferentes vozes, mas sempre com o mesmo sotaque. Mutatis mutandis, não é o que faz o escritor que, em descrevendo os personagens, seus títeres ou fantoches, narra o que fazem e os faz falar no lugar dele? Um escritor assim faz monólogos em forma de diálogos. Um escritor, assim, é um escritor solitário que escreve para leitores solitários que lêem solitariamente e não escrevem.

Hoje, retomando a leitura de “As mil e uma noites” me vejo assistindo a um teatro de fantoches de Luiz Vanzella que, invisível, fazia tudo acontecer. O “Luiz Vanzella” de “As mil e uma noites” montou seu palquinho e após breve apresentação em que descreve três protagonistas principais, a saber, as irmãs Sahrazad e Dinarzad, e o rei sultão Sahriyar. Mas, há um quarto protagonista, aquele que, em aparecendo, corta a fala de Sahrazad e encerra o episódio.

O narrador de “As mil e uma noites”, narrando, faz a protagonista principal, Sahrazad, narrar historias em que aparecem narradores (em terceiro nível ou dimensão) que narram e que às vezes narram que alguém (quarto nível ou dimensão) narra que... etc..

A irmã, Dinarzad e o rei-sultão aparecem na encenarização mais como “potiches” ou figurantes. E Aurora que aparece por não aparecer, se faz presente depois de encerrada a encenarização, só depois de encerrado o episódio. Funciona como corte que não está na encenarização, mas que lhe dá um sentido de finitude.

Quantos níveis de narração podem ser apontados nesse eMARanhado da História das histórias de “As mil e uma noites"? Melhor do que calcular como se faz na aritmética é fazer como se faz na Álgebra: indicar apenas a operação do cálculo. Assim, podemos indicar os níveis ou dimensões e depois calcular e descrever o que se dá no nível ou dimensão 00, 01, 02, 03, etc.

Nível 00: O Narrador invisível ou anônimo.

Nível 01: O Narrador narra que Sahrazad narra que...

Nível 02: O Narrador narra que Sahrazad narra que certo Mercador/ Pescador/etc., narra que...

Nível 03: ...

Nível 04: ...



0001/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que certo Mercador vai ser morto por um gênio (ifrit)...

0002/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra, continuando o episódio anterior, que certo Mercador ia ser morto por um gênio (ifrit)... e que ao esperar volta do gênio (ifrit), aparece ao Mercador um Xeique puxando uma gazela por uma corrente...

0003/1001: O Narrador narra que Sahrazad Nara, na continuação do episódio anterior, aparece um segundo Xeique conduzindo atados dois cachorros de caça pretos a quem lhe é contado a triste história do Mercador. E depois aparece um terceiro Xeique sozinho para quem os dois Xeiques contam a história do Mercador e do gênio Ifrit. E narra-se que enquanto isso se passa, retorna o gênio (ifrit) que puxa o Mercador com a mão e diz que vai matá-lo, enquanto os três Xeiques e o Mercador prorrompem em choros e lamentos.

0004/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que estando o Mercador na posse do gênio (ifrit) para ser morto, o primeiro Xeique propôs contar a própria história ao gênio (ifrit) em troca de um terço da vida do Mercador. Então o Narrador narra que Sahrazad narra que o primeiro Xeique conta ao gênio (ifrit), em publico, diante dos outros dois Xeiques e do Mercador, que a gazela é prima e esposa e outras vicissitudes fantásticas e curiosíssimas.

0005/1001: Continuação do episódio da Noite 0004/1001 e, por fim, o primeiro Xeique obtém um terço da vida do Mercador, e, de imediato, o segundo Xeique, aproximando-se do gênio (ifrit) propõe-se fazer o mesmo que o primeiro Xeique e nas mesmas condições, querendo sobrepujá-lo, contando a própria história.

0006/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que estando o Mercador na posse do gênio (ifrit) para ser morto, o segundo Xeique propôs contar a própria história ao gênio (ifrit) em troca também de um terço da vida do Mercador. Então o Narrador narra que Sahrazad narra que o segundo Xeique conta ao gênio (ifrit), em publico, diante dos outros dois Xeiques e do Mercador, que os cachorros que ele segura presos são os dois irmãos dele mesmo. E se contam outras vicissitudes fantásticas e curiosíssimas.

0007/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra em continuação do episódio da Noite 0006/1001 que, por fim, o segundo Xeique obtém um terço da vida do Mercador, e, de imediato, o terceiro Xeique, aproximando-se do gênio (ifrit) propõe-se a fazer o mesmo que o primeiro e o segundo Xeiques e nas mesmas condições, querendo sobrepujar ao primeiro, contando a própria história.

0008/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra em continuação do episódio da Noite 0007/1001, que o terceiro Xeique narrou a história dele. Mas, a narração do terceiro Xeique não aparece, mesmo assim se conta que o gênio concedeu um terço da vida do Mercador. De fato, Jaruche anota que a história do terceiro Xeique não é narrada e transcreve quatro versões dessa história do terceiro Xeique no Anexo 02, do Volume 01/04, p.376-388. Sahrazad a pedido de Dinarzad começa novo ciclo de histórias, substituindo o Mercador por um Pescador, pai de duas filhas e um filho, o qual, invariavelmente lança quatro vezes a rede ao mar. Fica frustrado após primeiro lance da rede.

0009/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que um Pescador, frustrado depois do primeiro lance da rede, frustra-se mais duas vezes. E na quarta e última vez, apanha um vaso aparentemente precioso que, após destampado, liberta um gênio, um ifrit que, mostra ser malvado e, como se verá adiante, também tolo. Esse ifrit concede ao pescador o benefício de escolher a forma de ser executado, isto é, entre a mais e a menos atroz!

0010-1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o Pescador, ciente da debilidade mental do ifrit, lança mão de um estratagema fazendo o ifrit voltar a entrar no vaso sendo imediatamente trancafiado no vaso. No prosseguimento desse episódio, o Narrador narra que Sahrazad narra que o Pescador começa a narrar ao ifrit a história do rei Yunan e do sábio Duban.

0011/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o Pescador narra ao ifrit a continuação da história do rei Yunam e do sábio Duban.

0012/1001: Como na Noite 0011/1001, o Narrador narra que Sahrazad narra que o Pescador narra ao ifrit a continuação da continuação da história do rei Yunam e do sábio Duban.

0013/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o Pescador continua narrando ao ifrit a história do rei Yunam, do sábio Duban e do vizir do rei Yunam, muito invejoso com o sucesso de Duban, e querendo a morte desse sábio.

0014/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o Pescador narra que o rei Yunam narra ao invejoso vizir dele a história do rei Sindabad e do visir deste rei, onde o visir deste rei Sindabad, por sua vez, ao rei Sindabad, a história de um mercador que se serve de um papagaio esperto em observar e contar o que observa. Porém, a esposa desse mercador enrola e engana o papagaio que enganado acaba mentindo ao mercador e por isso esse o mata.

0015/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o Pescador retomando a narração narra que o rei Yunan denuncia a inveja do visir dele que quer a morte do sábio Duban, como o invejoso queria a morte do filho do rei Sindabad, na história contada pelo visir do rei Sindabad ao próprio rei Sindabad. Nesse episódio, o visir do rei Yunam reverte o percurso do episódio narrando ao rei Yunam a história de um visir de um rei que não cuidou adequadamente do filho desse rei durante uma caçada, o qual se perdeu com uma ogra dissimulada em linda mulher.

0016/1001? O Narrador narra que Sahrazad narra que o Pescador continua a narração em que o visir do rei Yunan narra que o filho do rei se livrou da ogra e, após ter relatado o ocorrido ao pai, esse mandou executar o visir que não cuidara adequadamente do filho do rei. E o Pescador narra que o visir do rei Yunam conseguiu reverter o andamento das coisas e que o rei Yunam decidiu-se matar o sábio Duban. Num dando momento, Sahrazad retomando a narração narra que o Pescador se voltando para o ifrit, preso no vaso, lhe diz que ele, ifrit, fez mais do que o rei Yunan que, apesar dos pedidos de misericórdia do sábio Duban, o mandou matar. Novamente, o Narrador narra que Sahrazad narra que o Pescador narra o sábio Duban, aceitando a morte, se propôs estar presente por intermédio do livro mais importante dele, “Segredo dos segredos” que dá de presente ao rei Yunan e ensina-lhe como usá-lo.

0017/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o Pescador narra que após a vitória póstuma do sábio Duban que conseguira envenenar o rei Yunan, passa a recitar versos enquanto o rei Yunam morre envenenado. E o Narrador narra que Sahrazad tomando a narração narra que o Pescador volta a falar diretamente com Ifrit.

0018/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o pescador e o ifrit retomaram a discussão e que, finalmente, o pescador acaba abrindo o vaso e libertando o ifrit e que esse pede ao pescador segui-lo e que lançasse a rede no lago ao qual chegaram depois de longa caminhada. O pescador acabou apanhando quatro peixes de quatro cores diferentes: vermelho, branco, azul e amarelo e recebeu a ordem do ifrit de levá-los ao sultão de quem o pescador receberá vultosa quantia em dinheiro.

0019/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra a continuação da história do episódio anterior, ainda sobe a pesca dos quatro peixinhos coloridos que se repete.

0020/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra a continuação da continuação da história dos quatro peixinhos coloridos e que o sultão depois de descoberto o lago, aventura-se a caminhar solitário e encontra um “ponto negro” distante, ao qual se dirige.

0021/1001: O Narrador narra que Sahrazad Nara que o referido ponto negro ao qual o sultão se dirige é um palácio e lá há um jovem com corpo estranho: do umbigo até os pés é pedra negra e do umbigo da cabeça é como gente humana.

0022/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o jovem conta a história de “O rei das Ilhas Negras e sua esposa” para o sultão.

0023/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o jovem continua a contar a história do episódio da noite passada ao sultão.

0024/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o jovem continua na continuação do episódio da noite anterior e lhe conta como, enfeitiçado pela mulher, se transformou em meio estátua e meio gente.

0025/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o jovem, continuando a narrar como nas noites passada, narra que a mulher enfeitiçou as quatro comunidades do povo: muçulmanos, zoroástricos, cristãos e judeus respectivamente em peixes brancos, vermelhos, azuis e amarelos; as ilhas foram transformadas em montanhas que envolvem a lagoa. E se narra que o sultão matou o escravo que jazia no mausoléu, jogou-o num poço e se deitou no lugar do escravo.

0026/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o sultão conseguiu fazer com que a mulher desenfeitiçasse o jovem esposo o lago e as montanhas.

0027/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que morta a mulher do jovem Rei este é adotado como filho pelo velho Rei. O jovem Rei deixa o reino das Ilhas Negras que, agora desenfeitiçado, fica muito mais longe do reio do velho Rei. Retornado ao reino, o velho Rei beneficia o Pescador que tem duas filhas e um filho. O velho Rei e o jovem Rei casam-se cada um com uma das filhas do Pescador e o filho deste é elevado a membro da corte. E essa noite termina sem suspense.

0028/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra uma história de um morador de Bagdá, solteiro e carregador, iniciando um novo ciclo de histórias. Esse segue uma jovem, a compradeira também chamada Amina.

0029/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o carregador é conduzido pela compradeira à casa dessa e lá ele encontra as outras duas irmãos da compradeira, a porteira, chamada também de Zobeida e a Sofia, uma intelectual.

0030/1001: O Narrador Narra que Sahrazad narra que o carregador expõe a teoria da narrativa nessas palavras: “Pela vida de vocês (Amina, Zobeida e Sofia) que eu sou um homem inteligente, ajuizado e decoroso. Li os saberes e alcancei as compreensões; li e entendi; encadeio os relatos históricos e somente depois os narro. Refiro o que é bom e guardo o que é ruim, de mi não se transmite senão o bem...” Jaruche diz na nota 81: “Aqui, faz-se referência ao procedimento adotado por teólogos e historiadores muçulmanos clássicos, cuja técnica supunha, antes de tudo, o isnad, ou seja, o encadeamento (que consiste em encadear testemunhos, por assim dizer, empíricos, para atestar a veracidade do dito – “ouvi de fulano, que ouviu de beltrano, que ouviu de sicrano, que ouviu de mengano, que ouviu de alano que tal fato se deu assim e assado”, etc.). Somente depois disso é que se iniciava a narrativa propriamente dita.

0031/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra como o quarteto (Amina, Zobeida, Sofia e o carregador expõe de forma hilária os diferentes nomes dos órgãos sexuais, na gíria e poeticamente. (Manjericão das pontes, sésamo descascado, pensão de Abu Masrur.).

0032/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que se continua a expor de forma hilária também o nome para o órgão sexual masculino: burro destruidor que “pasta o manjericão das pontes, devora o sésamo descascado e entra e sai da pensão de Abu Masrur e que ao quarteto das três irmãs e do carregador se associam três dervixes.

0033/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que os dervixes animaram a reunião com músicas e apareceram mais dois convivas: o califa Harun Arrashide, seu visir Jacfar e um tal de Mansur.

0034/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que no primeiro momento da reunião, são espancadas, uma depois da outra, duas cadelas negras e no fim do suplício a carrasca beija, afaga e consola a cadela supliciada.

0035/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que uma das jovens compradeira, fazendo-se acompanhar pelo alaúde, canta uma canção popular dessa época em Bagdá e que em seguida, tendo rasgado as vestes, mostra o corpo todo lanhado e que se passa tudo igual com uma e outra das jovens irmãs.

0036/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que também com a terceira das jovens se passa tudo igual como se passou com as outras duas e que a curiosidade de todos, menos do visir, fez com que aparecessem sete escravos que amarraram a todos os sete e, cada um, por imposição de uma das jovens irmãs, para se salvar a pele, deve contar a própria história.

0037/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o primeiro a contar a própria história foi o Carregador que, por sua vez começou a narrar a própria história que já é sabida pelos episódios anteriores; que o segundo a contar a própria história é um dervixe que narra sua história com o primo que vai desaparecer com uma mulher na abertura de um túmulo do cemitério que o dervixe deve tapar em seguida, a perda do reino do pai e a vingança do visir que derrubara o pai, etc.

0038/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o primeiro dervixe, continuando a narração da sua história.

0039/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o primeiro dervixe narra e conclui a própria história e que tendo satisfeito a condição imposta pelas três jovens, fica liberado, mas não abandona o convívio.

0040/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o segundo dervixe começa a narrar a própria história.

0041/1001: O Narrador narra que Sahrazad narra que o segundo dervixe continua a narração da própria história em continuação ao episódio da noite anterior.

0042/1001:











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