quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Memento homo quia pulvis es et in pulverem revertebis

Lembra-te ser humano que és pó e ao pó retornarás

Caon, J. L. (2001). Celebração ou incineração do professor convencional e do aluno velho? Palestra proferida no seminário interdisciplinar avançado do programa de pós-graduação em psicologia do desenvolvimento da UFRGS por ocasião da celebração do dia do professor, 15 de outubro, Porto Alegre - RS.





O presente texto, atualmente melhorado para publicação, foi lido e discutido no Seminário Magno Interdisciplinar de professores e alunos do Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento, semanalmente realizado nas segundas-feiras, das 10-12 horas, nas dependências do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professores e alunos do Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da UFRGS, nesse dia, 15 de outubro de 2001, ao invés das tradicionais galinhadas, realizaram um simpósio onde professores diretores de pesquisa e professores doutorandos fizeram exposições acadêmicas celebrando o dia do professor e do aluno atual ou futuro professor.]



Celebração ou incineração do professor convencional e do aluno velho?



jlcaon@terra.com.br

Porto Alegre, 15 de outubro de 2001



Radical Constructivism - ‘What is radical constructivism? It is an unconventional approach to the problem of knowledge and knowing. It starts from the assumption that knowledge, no matter how it is defined, is in the heads of persons, and that the thinking subject has no alternative but to construct what he or she knows on the basis of his or her own experience. What we make of experience constitutes the only world we consciously live in. It can be sorted into many kinds, such as things, self, others, and so on. But all kinds of experience are essentially subjective, and though I may find reasons to believe that my experience may not be unlike yours, I have no way of knowing that it is the same. The experience and interpretation of language are no exception.’ - p.1 - ‘Growing Up Constructivist’, in, ‘Radical Constructivism - A Way of Knowing and Learning’.

Ernst von Glasersfeld is Emeritus Professor of Psychology at the University of Georgia, Research Associate at the Scientific Reasoning Research Institute, and Adjunct Professor in the Dept. Of Psychology at the University of Massachusetts, Philosopher & Cybernetician he spent large parts of his life in Ireland [1940s], in Italy [1950s] and the USA [current]. Elaborating upon Vico, Piaget's genetic epistemology, Bishop Berkeley's theory of perception, James Joyce's Finnegans Wake and other important texts, Ernst developed his model of Radical Constructivism - which is an ethos shared by all of these writers to one degree or another, sometimes it is difficult to see where their epistemological agreements begin and end - but that is part of the fun. http://www.uni-koblenz.de/~odsgroe/wwwha/personen/glasersfeld/glasersfeld.html



COMO SE ENSINA, HOJE, NA UNIVERSIDADE? É uma pergunta que prefiro deixar de lado e me fazer essa outra pergunta: “Como se APRENDE, hoje, na Universidade?”

Aprender é construir capacidades. Essas capacidades são, por um lado, capacidades de convívio com uma realidade coletivamente compartida e, por outro lado, capacidades de convívio com uma alteridade interativa e constantemente freqüentada.

Essa aprendizagem de convívios com uma realidade coletivamente compartida e com uma alteridade socialmente interativa faz-se, cada vez mais, objeto de ocupação e de preocupação. Veja-se o que se passa, nos momentos desocupados da comunidade universitária: todos fogem de suas dependências como se elas fossem povoadas de fantasmas assustadores.

Aprender, então, é construir capacidades de convívio com pessoas. Mas, aprender é, também, construir capacidades de aquisição ou invenção de conhecimentos.

Não entendo aprender como aquisição de conhecimentos, pura e simplesmente. Entendo aprender como construção de capacidades de convívio com pessoas e capacidades de aquisição ou invenção de conhecimentos.

Esses conhecimentos a serem adquiridos são de duas ordens: ou são conhecimentos consolidados e já existentes, ou são conhecimentos ainda não existentes. Os primeiros são objeto de transmissão; os segundos são objeto de pesquisa.

Os conhecimentos consolidados e já existentes podem ser transmitidos sem aprendizagem, isto é, sem que o aprendente construa capacidades de adquiri-los ou reinventá-los. É o que se passa na transmissão de conhecimentos sob a forma de informação ou ensacamento. É, na prática, a modalidade vivida pela maioria de nós todos, desde a escola primária, secundária e universitária. E seria assim também no pós-graduação?

Essa modalidade informativa de transmissão de conhecimentos, atualmente, dispensa o professor convencional e o aluno velho. Hoje, fontes cada vez mais acessíveis e generosas, como enciclopédias e sites, substituem a velha lição de sala de aula.

O que vem a ser aprender, hoje, perante o imenso tesouro de conhecimentos consolidados e já existentes? O que é aprender, hoje, perante o campo de conhecimentos ainda não existentes? Como construir capacidades de adquirir conhecimentos já existentes e de inventar conhecimentos novos?

A pergunta – como aprender a construir capacidades de inventar conhecimentos ainda não existentes? – só pode ser respondida pela prática da pesquisa. É impossível fazer pesquisa sem aprender a construção de capacidades de inventar conhecimentos novos.

Mas, como aprender a construir capacidades de aquisição ou reinvenção de conhecimentos já consolidados, como se fossem ainda conhecimentos novos e não existentes, sem cair no modelo do ensacamento, do armazenamento ou da informação pura e simples?

Para responder a essa pergunta, começo propondo a morte do professor convencional e a morte do aluno velho. Então, celebrar o dia do professor e do aluno, é celebrar a morte dessa modalidade de transmissão de conhecimentos, via ensacamento, modalidade incapaz de fazer aprender a construção de capacidades.

Acredito que as transposições didáticas representam uma nova proposta para a aprendizagem de construção de capacidades de aquisição ou reinvenção de conhecimentos consolidados e já existentes. Uma transposição didática é uma proposta criada pelo ensinante. É, na prática, uma reedição, do percurso primordial do pesquisador originário.

A transposição didática permite que o aprendente faça, em três ou quatro semanas, o mesmo percurso que custou meses ou anos ao pesquisador original. Aquilo que o pesquisador original levou, às vezes, dez anos, na construção do conhecimento, o aprendente, por meio de uma transposição didática, pode reconstruir em bem menos tempo. É assim que, hoje, um aprendente pode reconstruir rapidamente conhecimentos que Freud ou Piaget, para os construir originalmente, levaram meses e anos.

Celebramos, então, hoje, no professor, o didata ou o diretor dos processos de aprendizagens, iniciados, desenvolvidos e construídos pelos aprendentes. Esse professor não é professor porque ensina, mas é professor porque professa a aprendizagem, isto é, que é ele mesmo o primeiro aprendente junto ao grupo de seus aprendentes de quem ele dirige os processos de aprendizagem.

Creio que a incineração do professor convencional é a incineração da máscara de ferro que mantém o professor atrás da mesa do conhecimento, mesa, hoje substituída pela biblioteca, pelas enciclopédias, pelos sites da Internete, etc. Abandonar essa máscara de prestígio que tanta veneração e temor causa aos aprendentes é libertar o gênio do professor engarrafado e enlatado como se fora coisa a ser consumida ainda por essa desastrada classe de alunos velhos.

Quando ainda pode sobreviver o amor rançoso de aluno velho por professor convencional, amor traspassado de temor e horror? Esse amor, feito fantasma assustador, apodera-se dos aprendentes, principalmente quando têm que enfrentar, solitários, uma biblioteca, uma fonte internética de conhecimentos, ou um momento de exposição dos vagidos dos seus textos em construção.

Mas, perdido e incinerado o professor convencional, pode o aprendente contar com um diretor de aprendizagens na construção de capacidades de aquisição de conhecimentos consolidados e já existentes, como se esses conhecimentos fossem, para ele, aprendente, conhecimentos novos? Sim, contanto que a direção didática dos processos de aprendizagem substitua o trabalho de miséria psíquica e moral do ensacamento ou informação de conhecimentos.

Incinerar a máscara de ferro que aprisiona e tolhe o gênio do professor não é outra coisa que celebrar o ressurgimento do ensinante enquanto diretor didático dos processos de aprendizagens dos aprendentes que a ele se confiam.

Incinerado o aluno velho, então, ressurgirá o aprendente que cada um é desde os primeiros vagidos que ecoavam nossa curiosidade perante um mundo abundante, luminoso e infinitamente instigante.

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