quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Um ensaio de ENSAIO sobre a envelheciência


Vivências intransitivas
e vivências intransitivas de vivências reflexivas.

Por jlcaon@terra.com.br (121114460411)

As vivências de nosso nascimento são vivências espontâneas e intransitivas. Elas precederiam as vivências reflexivas, isto é, precederiam o reconhecimento que fazemos dessas vivências intransitivas. Assim como nunca podemos sair do presente, - que além de ser tempo presente é sempre dádiva, - pois que ninguém morre no futuro nem no passado, assim também nunca podemos sair da vivência intransitiva e espontânea de nossa vida. Podemos fingir que estamos mortos ou semimortos. Mas, jamais podemos fingir que estamos vivos. Nem Fernando Pessoa poderia fingir que estava vivo!
Todavia, as vivências espontâneas intransitivas, sem o reconhecimento que podemos fazer delas, ficam NÃO-NASCIDAS. Todas as vivências intransitivas e espontâneas são da ordem de um saber que não se sabe, saber impossível de qualquer autoconhecimento. NÃO-NASCIDAS, ficam NÃO-NASCIDAS.
Criancinhas falecidas enquanto neonatas morreram sem ter ciência de terem sido gente. “Essas criancinhas são anjinhos”, ouvimos nas conversações do cotidiano.
Vivências intransitivas e espontâneas pelas quais passamos desde sempre que somos considerados gente, embora nem sempre tenhamos ciência de que somos gente, jazem não-nascidas apesar de nossa subjugação à fala da língua da comunidade em que se encontra nossa mãe, nem que essa comunidade seja composta apenas de duas pessoas: mãe e criancinha. Trata-se da comunidade de língua em que nossa mãe vive e fala, esse mar de voz que não é pura voz como o são as vozes dos pássaros, mas que é voz que desaparece enquanto voz para reaparecer em forma de falas, tipo tatibitate, protolíngua, língua definitivamente.
Embora nossa mãe fale uma língua bem complexa e refinada, a estrutura da língua que nos é proposta a ser falada é a mesma. Suponhamos que nossa mãe exímia nadadora esteja no rio em que nós vamos nos lançar. O rio é o mesmo, mesma é a água, a estrutura é a mesma: mas nossas inserções e apropriações são diferentes. Enquanto nossa mãe e a comunidade em que nossa mãe está falam fluentemente - nadam eximiamente - nós tatebitateamos, isto é, falamos em protolíngua, enquanto nossa mãe e a comunidade em que ela está falam em protodeuterolíngua.
Conclusão: nossas vivências intransitivas e espontâneas que tivemos, somente poderiam nascer quando as enunciássemos em falas, isto é, quando fazemos vivências do reconhecimento de nossas vivências não-nascidas. É como dar nome de ‘inefável” ao que escapa à nossa faculdade de fala. Mas, a palavra “inefável” enquanto palavra não é inefável. Assim, essas vivências intransitivas e espontâneas, apesar das vivências do reconhecimento, continuam NÃO-NASCIDAS E INEFÁVEIS.
Esse processo de vivenciar o reconhecimento de vivências não-nascidas e inefáveis é idêntico ao que fazemos quando falamos. Não é por nada que apenas quando conseguimos usar algumas protopalavras, as usamos para dizer muitas coisas: isto é, queremos dizer muitas coisas com uma só palavra ou com poucas palavras. Uma frase que valesse por muitas, por exemplo, hoje é também chamada de holófrase. Não seria isso que, sobrevivendo na protodeuterolíngua dos adultos, vai se chamar de sensibilidade ou saber de poeta? Não é para essa substância inefável e sempre não-nascida que aponta a escuta do psicanalista cujo ofício é escutar aquilo que no dito do psicanalisante fica ainda não dito?
Mutatis mutandis, supondo que nosso nascimento não se dá apenas quando saímos do útero materno, mas, nascemos em diferentes circunstâncias e situações ao longo de nossa vida, não caberia perguntar como é que nascemos para o envelhecimento?
Que é que é mesmo um velho fresco, uma velha fresca, neovelhos, ainda deslumbrados com as vivências intransitivas e espontâneas do envelhecimento? Seriam capazes de falar desse nascimento aqueles que dele nem tiveram ou têm vivências transitivas e espontâneas? E mesmo com vivências desse nascimento, - pois, pode-se morrer sem reconhecer essas vivências, à moda das criancinhas falecidas enquanto neonatas – como reconhecer essas vivências, se para elas temos tantos discursos enlatados, prêt-à-porter, ready-made, pré-fabricados?  
Com isso, estarei propondo descartar todo e qualquer interlocutor
.1) que não tenha tido vivências intransitivas e espontâneas de nascimento de envelhecimento;
.2) incapaz de ter um discurso original e próprio quando de fato tem ou teve vivências de nascimento de envelhecimento?
Se fosse possível, bem que descartaria a ambos, 1) e 2).
Todavia, babaquices e discursos babacas embora sejam fumaça, não são fumaça sem fogo. Mais, enquanto fumaça que denuncia fogo, esses discursos babacas não surgem e aparecem como qualquer fumaça e fumaça de qualquer fogo.
Nossos discursos DA velhice, tanto os discursos SOBRE a velhice, feitos por não senescentes, como os discursos DE envelhecentes (produzidos por envelhecentes), são discursos que não existem sem intensas poluições de babaquices.
E pelo fato de não podermos respirar oxigênio puro e sermos obrigados a respirar oxigênio poluído, nem por isso deixamos de respirar. Então, não podendo produzir discursos puros, mas discursos embabacados, nem por isso vamos recusar os discursos babacas ou deixar de produzir discursos mesmo tendo que nadar em águas poluídas de discursos babacas.
Nessas circunstâncias e nessas situações, cabe perguntar: em que tempo estou, em que lugar estou, com quem me ponho a entabular conversação de envelhecente sobre envelhecentes?
Embora, os velhos tenham mais presente a UTI FIXA em suas mentes, eles não podem dizer que já não estejam em UTIs MÓVEIS!
Os velhos lidam mais frequentemente com a dor, apesar de não estarem doentes; e lidam mais frequentemente com o sofrimento, apesar de serem velhos e testados em muitos combates. Perante esse estado de coisas, os velhos em geral dissimulam a dor que deveras padecem, a dor do debilitamento dos sentidos, tipo surdez e enceguecimento; enfraquecimento da memória, retardo e lerdeza na prontidão dos tecidos do corpo; a dor de cansaço de viver e a lição mil vezes mal aprendida de que mesmo dormindo com o outro no mesmo leito, cada qual dorme seu sono; que morrendo no mesma circunstância e momento, cada qual morre sua própria e inalienável morte. Tudo isso poderia ser deixado a esses geriatras que facilmente fazem o envelhecente se considerar doente? O gerontólogo, se for envelhecente, é quem estuda o envelhecimento, transformando a inelutável envelhecência em sábia envelheCiência.    
Um tema cuja atração está aumentando é o tema do humor (gozação) dos velhos, tanto o humor feito pelos não-velhos sobre os velhos,  como o humor (gozação) feito pelos velhos sobre os velhos.
Muitos não acreditamos que exista morte ou que exista velhice. E precisaríamos acreditar nessas babaquices, quando está escancarado diante de nossas caras que o morto e os mortos, sim existem; que o velho e os velhos sim existem? E cada vez mais, temos mais mortos na história da humanidade do que viventes. E será mesmo verdade que logo vamos ter mais velhos na humanidade vivente do que não-velhos? 

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