sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Escrever para desesquecer, ou epifania do fading





Por jlcaon@terra.com.br



     Saint-Éxuperi, é mais plástico do que Lacan.

     “O planeta seguinte era habitado por um bêbado. Esta visita foi muito curta, mas mergulhou o principezinho numa profunda melancolia.


     - Que fazes ai? perguntou ao bêbado, silenciosamente instalado diante de uma coleção de garrafas vazias e uma coleção de garrafas cheias.


     - Eu bebo, respondeu o bêbado, com ar lúgubre.


     - Por que é que bebes? perguntou-lhe o principezinho.


     - Para esquecer, respondeu o beberrão.


     - Esquecer o quê? indagou o principezinho, que já começava a sentir pena.


     - Esquecer que eu tenho vergonha, confessou o bêbado, baixando a cabeça.


     - Vergonha de quê? investigou o principezinho, que desejava socorrê-lo.


     - Vergonha de beber! concluiu o beberrão, encerrando-se definitivamente no seu silêncio.”


    
     Lacan, refere-se a situações parecidas, mas, não citaria Saint-Éxupery!

     “Vocês conhecem a história do cara encontrado numa ilha deserta para onde ele se retirou para esquecer?


     – Para esquecer o quê?


     – Esqueci.”


     Eu digo que a melhor forma de esquecer é desesquecer.

     - Como se faz?

     - Falando, soltando irreparavelmente franga a um psicanalista lacaniano de verdade. Ou escrever sem ler. Ler somente após a publicação, caso ainda se tenha coragem.

     - Mas, isso é loucura!

     Remato: Quem fala para esquecer, desesquece. Quem escreve para esquecer é que consegue escrever como quem fala. E desesquece e se desesquece. Dante inventou um rio de um único leito, com duas correntezas: uma a montante; outra a jusante. Vejam em Purgatorio, Cantos 28-33 in caon0-subscribe@yahoogrupos.com.br


Escrever para desesquecer ou beber para esquecer?




     Gozação à parte, isso se refere a Purgatório, Canto 33, v. 136-141:


     136 - S’io avessi, lettor, più lungo spazio

     Caro leitor, se eu tivesse mais tempo e mais espaço

     137 - da scrivere, i’ pur cantere’ in parte

     Para escrever, eu cantaria pelo menos, em parte,

     138 - lo dolce ber che mai non m’avrìa sazio;

     A doçura daquela bebia que nunca me teria matado a sede,

     139 - ma perché piene son tutte le carte

     Porém, todas as laudas que já foram destinadas

     140 - ordite a questa cantica seconda,

     Para esse poema do Purgatório já estão todas preenchidas,

     141 - non mi lascia più ir lo fren de l’arte.

     E o método e as regras da arte não me deixam mais continuar.




Purgatório, Cantos XXVIII-XXXIII, Matelda, Dante no Rio Lethè-Eunoé



Post Scriptum:

Psicopatologia Fundamental:


Mar, pingo de água que não cabe no meu balde!


Dor, pingo de nada que não cabe em minha alma!


Ah! Essas águas salgadas sempre transbordantes,


Que lavam sem levar e matar a sede!


Ainda bem que não passam de um pingo! (Caon/2004)

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