Por jlcaon@terra.com.br
Saint-Éxuperi, é mais plástico do que Lacan.
“O planeta seguinte era habitado por um bêbado. Esta visita foi muito curta, mas mergulhou o principezinho numa profunda melancolia.
- Que fazes ai? perguntou ao bêbado, silenciosamente instalado diante de uma coleção de garrafas vazias e uma coleção de garrafas cheias.
- Eu bebo, respondeu o bêbado, com ar lúgubre.
- Por que é que bebes? perguntou-lhe o principezinho.
- Para esquecer, respondeu o beberrão.
- Esquecer o quê? indagou o principezinho, que já começava a sentir pena.
- Esquecer que eu tenho vergonha, confessou o bêbado, baixando a cabeça.
- Vergonha de quê? investigou o principezinho, que desejava socorrê-lo.
- Vergonha de beber! concluiu o beberrão, encerrando-se definitivamente no seu silêncio.”
Lacan, refere-se a situações parecidas, mas, não citaria Saint-Éxupery!
“Vocês conhecem a história do cara encontrado numa ilha deserta para onde ele se retirou para esquecer?
– Para esquecer o quê?
– Esqueci.”
Eu digo que a melhor forma de esquecer é desesquecer.
- Como se faz?
- Falando, soltando irreparavelmente franga a um psicanalista lacaniano de verdade. Ou escrever sem ler. Ler somente após a publicação, caso ainda se tenha coragem.
- Mas, isso é loucura!
Remato: Quem fala para esquecer, desesquece. Quem escreve para esquecer é que consegue escrever como quem fala. E desesquece e se desesquece. Dante inventou um rio de um único leito, com duas correntezas: uma a montante; outra a jusante. Vejam em Purgatorio, Cantos 28-33 in caon0-subscribe@yahoogrupos.com.br
Escrever para desesquecer ou beber para esquecer?
Gozação à parte, isso se refere a Purgatório, Canto 33, v. 136-141:
136 - S’io avessi, lettor, più lungo spazio
Caro leitor, se eu tivesse mais tempo e mais espaço
137 - da scrivere, i’ pur cantere’ in parte
Para escrever, eu cantaria pelo menos, em parte,
138 - lo dolce ber che mai non m’avrìa sazio;
A doçura daquela bebia que nunca me teria matado a sede,
139 - ma perché piene son tutte le carte
Porém, todas as laudas que já foram destinadas
140 - ordite a questa cantica seconda,
Para esse poema do Purgatório já estão todas preenchidas,
141 - non mi lascia più ir lo fren de l’arte.
E o método e as regras da arte não me deixam mais continuar.
Purgatório, Cantos XXVIII-XXXIII, Matelda, Dante no Rio Lethè-Eunoé
Post Scriptum:
Psicopatologia Fundamental:
Mar, pingo de água que não cabe no meu balde!
Dor, pingo de nada que não cabe em minha alma!
Ah! Essas águas salgadas sempre transbordantes,
Que lavam sem levar e matar a sede!
Ainda bem que não passam de um pingo! (Caon/2004)
Nenhum comentário:
Postar um comentário