quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Se "comer, coçar e falar é só começar", por que não "sonhar, inistir e digitalizar não seria também só começar?"

Primeiro exercício de 1000 palavras em quatro quartos


PRIMEIRO QUARTO DE 1000 PALAVRAS

Sinto-me onde não me conheço e conheço-me onde não me sinto



Impostação da imagem no espelho: a face de uma montanha reflete-se na superfície de um lago tranquilo. A face de um chimpanzé ou de uma criancinha, ambos de seis meses, reflete-se na superfície do espelho.
Conclusão: Objetificação, reificação, alienação da face é processo comum para a montanha, para o chipanzé e para a criancinha.
A montanha não sofre de nenhum conflito. Todavia, o chimpanzé e a criancinha enfrentam um conflito, o conflito resultante da percepção visual da própria face, semblante, ou aparecência e conflito resultante da vivência-experiência dessa percepção visual.
Notemos que o chimpanzé e a criancinha, aos seis meses, se diferenciam enormemente quanto à sua capacidade de coordenação motriz:
O chimpanzé, aos seis meses, alcança uma coordenação motriz madura. A criancinha continua imatura. Em observações precisas e controladas atuais, sabe-se que o chimpanzé não fica totalmente indiferente à imagem dele próprio refletida no espelho. Todavia, diferente da criancinha que ainda continua imatura. Ele não se reconhece, apesar de ter alcançado um esquema corporal bem coordenado. A criancinha se reconhece apesar de ainda continuar com esquema corporal bem imaturo e bem descoordenado.
Como é esse autorreconhecimento da criancinha? Quanto ao ver-se, a criancinha se vê globalmente, como um todo. Mas, essa visão dela como um todo contrasta com aquilo que ela vivencia-experiencia no próprio corpo: isto é, tem um controle muito pobre em relação aos movimentos do corpo, dos membros do corpo, dos órgãos do corpo.





SEGUNDO QUARTO DE 1000 PALAVRAS

O espelho de todos os espelhos

Por jlcaon@terra.com.br

Quando falamos, usamos a tinta da voz que lançada em jatos faz tremer o ar. O ar é condição da fala ligar falante e ouvinte. A gravação, o fio, a onda eletrônicos desmancham a fala que precisa ser recodificada e reconstituída. Há fala entre psicanalistante e psicanalista, quando ambos compartem o mesmo ar. Fora disso, são artifícios e formações em que as formações do inconsciente não comparecem. E no vácuo não pode haver fala.
O que o ar é para a fala, a luz é para a impostação ou lançamento de nosso semblante. No escuro, as aparecências são impossíveis.
A gestualização substituiria a fala? Os gestos seriam fonemas. Os toques dum corpo pelo outro substituiriam a fala? Os toques seriam fonemas? Dificilmente os toques corporais enganam. Os gestos, as produções fonéticas e grafêmica não podem não enganar.
Que dispositivo além do espelho é capaz de relativizar o espelho?
A linguagem é denominador comum da fala, escreveção, gestualização e tateamentos. Insetos e animais comunicam-se por ruídos e gestos tipo movimentos corporais e modificações tipo colorações. Não é linguagem.
A linguagem é espelho, diferente de superfície tranqüila e indiferente ou lisa e muda. A linguagem é espelho doutra dimensão: nela habitamos sem estar. Como nosso nome próprio: habitamos sem estar nele até depois da morte.
Coisa fora do tempo: nosso nome, por ser linguagem, é imortalmente atemporal e atemporalmente imortal. Mas, não somos nosso nome... Wie schade! Desolé! It’s a pity. Lamentável.







TERCEIRO QUARTO DE 1000 PALAVRAS

Reconhecimento da própria face pela sua impostação no espelho




A criancinha vivencia um aglomerado de partes, fragmentos do próprio corpo. Temos prova disso, nos sonhos regressivos, em alucinações induzidas por drogas, em estados psicóticos, onde nos vemos esquartejados. Mas, sentindo-se aos pedaços, a criancinha vê-se em corpo inteiro no espelho.

Essa disparidade de acontecimentos simultâneos situam-na numa tensão agressiva. Ela se sente sem se ver e se sente se vendo. A vitória diante desse primeiro conflito constituinte é a identificação com essa imagem impostada pela criancinha no espelho e que lhe vem do espelho.

Essa vitória lhe soa como espetacular sucesso. Jubila triunfalmente, vive momentos imaginários e onipotentes de poder e dominação. Vendo que outros, no caso, mãe, pai, adultos, são capazes de práticas muito melhores do que o “adulto” dela mesma, mesmo se vendo inteira e completa no espelho, oscila entre onipotência e oniMpotência. Constituímo-nos entre entusiasmos e melancolias, embora se diga que inter foeces et urinas nascimur.

Klein intuiu visceralmente esse processo como posições esquizo-paranóide e depressiva.

Esses processos lidos pelo modelo biológico afirmam que a posição depressiva é maturidade e a esquizo-paranóide, imaturidade; que o sujeito se integra e unifica na posição depressiva. Lidos a partir do método de velamento-desvelamento, esquecimento-desesquecimento, afirmam que o sujeito é constitutivamente clivado, dividido, duplamente determinado, vivendo ENTRE dois abismos, sempre determinado ENTRE dois abismos. Vive no instante que é o tempo presente que sempre temos de presente.

Onde estaria essa sonhada e desejada unificação? Nos fanatismos e nos apaixonamentos?



QUARTO QUARTO DE 1000 PALAVRAS

Fé é apaixonamento não são deliberações nem escolhas...

Por jlcaon@terra.com.br

A fé do fanático equivale ao apaixonamento do alienado. Então as pesquisas teológica e psicanalítica se encontram? Sem dúvida, mas não coincidem. Para o pesquisador teológico, fé é dom divino. Para o pesquisador psicanalítico, apaixonamento é dom do inconsciente.

Quando a fé é apaixonamento ou o apaixonamento é fé, a identidade – o existir ENTRE dois abismos – desaparece, mas não falece. Aqui temos a diferença entre fanático e místico que um diretor espiritual discerne. Aqui temos a diferença entre apaixonado e enamorado que um diretor de tratamentos psicanalíticos bem discerne.

Então, que dispositivo além do espelho é capaz de relativizar o espelho? Que dispositivo é esse?

Por que as criancinhas tão celebradas pelos lacanianos seriam todas capazes de superar o estádio do espelho em torno dos 18-24 meses, sendo que em certas culturas ultrapassariam esse mesmo estádio do espelho depois dos cinco, seis ou mais anos?

Por que é que a fé dos fanáticos e o apaixonamento dos alienados presentes em corporações religiosas, ditas igrejas, partidos políticos, corporações esportivas, acadêmicas, psicanalíticas, etc., são um atraso para a racionalidade e a pesquisa em geral? Penso que o fanatismo e alienação são o fenótipo primeiro da ignorância dos quais ela é o genótipo. Sabemos que alem do fanatismo e da alienação há outros fenótipos da ignorância.

A miséria da ignorância não é ela, pois ela é gozo irrecusável. A miséria da ignorância é abandonar-se a ela, como faz o fanático e o apaixonado.







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