sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Memento homo quia pulvis es et in pulverem revertebis
(Lembra-te gente que és pó e ao pó retornarás!)

Por jlcaon@terra.com.br



Quando cheguei à residência do Estafermo, encontrei-o numa discussão cerrada com Pascácia. Ele dizia que hoje, dia 3 de fevereiro, é dia de receber cinzas na cabeça, que para Pascácia isso é na quarta-feira de cinzas. E Estafermo recitava o latinório que Pascácia identificava sem saber o que significava; “Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris” com a quarta-feira de cinzas.

Mas, Pascácia, cristianíssima apesar de católica, é quem estava por dentro dessas formalidades. O mito do santo otorrinolaringologista protetor contra as enfermidades da garganta é que é celebrado hoje mediante o rito da benção das velas-fetiches postas em forma de V no pescoço do crente supersticioso

http://www.cademeusanto.com.br/sao_braz.htm





No que se acalmaram, ouvi mais esses diálogos em que também participei:

Estafermo: “Comadre! Nós já vimos, aqui mesmo, nascer criança sem cérebro.”

Pascácia: “E logo foi batizada e morreu cristã!”

Estafermo: “Pois, nasce outra criança, agora sem sangue, totalmente branca e anêmica.”

Pascácia: “Vai ver que é filho de casal de vampiros.”

Eu me intrometi: “Aprendi que vampiro sem sangue sobrevive vampirizando sangue, especialmente sangue fresco.”

Pascácia: “Esses buscam, sobretudo, sangue de criança!”

Eu de novo: “Mas, descobriu-se que há vampiros que têm sangue próprio, mas eles não sabem! Um que se psicanalisou com um psicanalista amigo meu – era branco feito fantasma! – acabou enrubescendo.”

E também lhes informei sobre duas estratégias míticas com rituais próprios para enfrentar um vampiro. Uma que agradou à Pascácia é a de carregar uma cruz com a gente e na hora em que aparecer o vampiro, – sempre de noite -, levantar a cruz bem ao alto e dizer as palavras mágicas, mesmo em voz baixa: “Vá de retro, Satanás!”

Estafermo: “E a outra?”

Eu continuo: “Os vampiros, como se sabe, não aguentam a luz do dia. Quando aparecem, de noite...

Pascácia: “... pega-se a cruz!”

Eu de novo: “Não, Pascácia. A gente fica ouvindo o vampiro que, sempre solitário, rechaçado e abandonado, não vai parar de falar, depois que disse a primeira palavra. Quando ele menos espera, ele se vê em plena luz do dia. E a luz, como se sabe, pulveriza a brancura e anemia dos vampiros. Como no mito do Pinóquio que, de boneco se tronou um menino de carne e osso, também do fantasma do vampiro, sem sangue, branco e anêmico, surge um ser de carne e osso como a gente.

Pascácia: “Não me conta que psicanalista pastoreia vampiros!”

Estafermo: “O católico apenas o afugenta, Pascácia. E o vampiro sempre volta! Mas entendi que se pode derreter esse vampirismo dele.”

Pascácia: “Ora, então ao invés de usar cruz somente, vamos, de agora em diante usar vela, uma vela bem grande, cristã, bem acesa, como essa que se usava na noite de Sábado Santo para Domingo de Páscoa.”

Estafermo: “Mas, eu aprendi com Freud que aprendeu com um poeta que, quando falamos submersos na escuridão, tudo se ilumina. A noite fica dia. As palavras iluminam no escuro. As imagens nada podem!”

3 comentários:

  1. "Nós que aqui estamos por vós esperamos". A frase é imensa e de boas-vindas, no portal de entrada do cemitério de Paraibuna, pequenina cidade do Vale do Paraiba - SP. Mitos e assombrações lá rondam por todos os cantos, por isso especialmente venerados, Violeiros e cantadores se iluminam sempre à noite. Adoram vampirismos e assombrações e o chá de ervas preparado por dona Ruth Guimarães, a maior contadora de causos caipiras e profunda conhecedora de histórias do Malasartes.

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  2. O problema de Pascácia é que, frente à luz de um círio pascal, ao invés de ela se iluminar ela se obnubila. É um verdadeiro fulgor de obtusidade, um clarão de trevas.

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  3. A Psicanálise com toda seriedade e respeito dá graça à tragédia e faz nascer cor nos pálidos semblantes. Grande, grande!
    É preciso cultivar a graça e a cor com o que é próprio da Psicanálise. Amor!
    Em frente sempre professor José Luiz Caon!
    Nos universos reais e virtuais o senhor trata a linguagem (obra prima) com a dignidade que merece.
    Muitíssimo obrigada!
    Abraços. Cenira

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