sábado, 10 de março de 2012

Aula analítica e Seminário psicanalíco

A escuta outra de Brasilino e Karnas, e a escuta mais parecida com uma prática minha de Leandro e especialmente de Xavier me ensejam a que eu tente distanciar o que é uma escuta e leitura analíticas e uma escuta e leitura psicanalíticas. Consultando meus alfarrábios, encontrei a Filigrana 07/14 que passarei a vocês, um pouco mais legível e sarada agora. Em tempo, gostaria de dizer a Karnas que a economia divina (teológica) e a economia política (Adams, Marx, etc.) se parecem muito, pois o obejeto é o prêmio-mercadoria. Mas a economia libidinal (Freud) ou desejante (Lacan) difere radicalmente das duas, pois que o objeto da economia desejante é "o objeto a pequeno", ilusório e sempre inalcançável. O analista interpreta para pontuar, o psicanalista pontua para interpretar (às vezes nem é preciso se a pontuação foi feliz). Os sujeitos da economia divina e da economia política, à leur insu (sem que o saibam) são movidos a economia desejante. Por isso essas inconsolações postergadas em consolações futuras na economia divina e na economia política. "Por que as mulhers se pintam, pergunta o menino". A mãe responde: "Para ficarem bonitas". Eele: "E por que não ficam de uma vez?" Por que se busca a salvação e o dinheiro se o que temos unicamente é o presente quanto tem presente e enquanto dom. A eternidade não é nem o futuro que não está aí, embora já negociado pela economia divina e política, nem o passado que já se foi. O presente é de tal maneira que em sendo agarrado se esvai. É assim o inconsciente: sempre presente: inagarrável e sempre surpreendente.



FILIGRANA 07: AULA E LEITURA LÓGICO-LINGUISTICAS DO SIGNO XOR SEMINÁRIO E LEITURA LÓGICO-LINGÜÍSTICOS DO SIGNIFICANTE, ISTO É, AULA E LEITURA ANALÍTICAS XOR SEMINÁRIO E LEITURA PSICANALÍTICOS.



“Ustedes sabrán que el inicio y el desarrollo de la lógica tiene como objetivo suprimir el equívoco del lenguaje ordinario. El resultado es una escritura que no puede ser hablada. Hablar es producir equívocos, cadenas significantes que implican necesariamente el malentendido. La escritura, por el contrario, es hacer letra de lo que se dice, es una operación que evita el malentendido. Si ustedes quieren, podríamos decir que el significado consiste siempre en reducir el equívoco a una sola lectura.

Tendríamos que diferenciar entre decir y leer. Decir es lo que se juega a nivel del significante, mientras que leer es lo que permite que haya significado, o sea, transponer la barra. (Rinty d’Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, in Una introducción a Lacan. BA: Lugar Editorial, 7ª ed, 1994, p. 31).



Observação: os termos “análise”, “analítico” e “analisante” serão empregados a partir do contexto da Filosofia e da Lingüística. No contexto deste texto, isto é, na perspectiva freudo-lacaniana, usarei “PSICanálise”, “PSICanalítico” e “PSICanalisante”.

Igualmente, “Leitura Analítica” e “Leitura PSICanalítica”; “Escuta Analítica” e “Escuta PSICanalítica”; “Interpretação Analítica” e “Interpretação PSICanalitica”, etc. Remeto o leitor aos dicionários de Lalande e de Abbagnano, especialmente aos vocábulos “análise” e “PSICanálise”.













AULA E LEITURA ANALÍTICAS XOR SEMINÁRIO E LEITURA PSICANALÍTICOS.



Com as expressões “Aula Analítica” e “Leitura Analítica”, identifico as conexões lógicas e lingüísticas presentes implícita ou explicitamente num texto. Na aula analítica e na leitura analítica fico na posição do Amo ou Patrão, caracterizados pelo Lógico Aristotélico Analítico (LAA) ou pelo Lingüista Saussureano Analítico (LSA), para os quais o significante, em sua verdadeira dimensão, pode ficar desconhecido e sempre em segundo lugar, crendo eles poder reduzir, na Aula Analítica e na Leitura Analítica, toda e qualquer leitura a uma só e única leitura. Assim o faz também esse tipo de instituição ou associação PSICanalítica dissimulada sob a forma de AMA-patroa, conduzindo-se como se a linguagem, enquanto única e insuperável instituinte, pudesse ser subjugada ou domesticada. Diferentemente procede a comunidade PSICanalítica de língua e de escritura, a qual, instituída perenemente e unicamente pelo significante, persiste apesar das instituições ou associações PSICanalíticas, e sem a qual essas não passariam de cemitérios de letras mortas.

Na Aula Analítica e na Leitura Analítica, o signo feito unidade indestrutível, unidade do significado inseparável do significante, congela o significado e pretende domesticar o significante. O signo faz de uma associação PSICanalítica uma usina de associações antecipadas e premeditadas. Por exemplo, o estatuto de cada uma delas seguido canonicamente como os membros se vigiam entre si, devotados ao Big Brother, em nome do qual ou apesar do qual até a palavra “autnomia” é censurada como anti-lacaniana.

O significante faz de uma associação PSICanalítica uma comunidade PSICanalítica de língua e de escritura, isto é, uma usina de desassociações inesperadas, inantecipáveis, impremeditadas, e, por isso, mesmo insuportáveis pelas instituições ou associações PSICanalíticas amas-patroas.

Uma leitura conduzida na perspectiva do significante indomesticado e indomesticável dá lugar a que advenha uma outra lógica, uma outra lingüística, a saber, a Lingüística PSICanalítica e a Lógica PSICanalítica.



No Seminário PSICanalítico, que ab-roga a Aula Analítica, escutamos o significante a partir da letra. Os PSICanalisantes, na situação PSICanalítica do Tratamento (SPT), ou na situação PSICanalítica do Seminário ou na Situação PSIcanalítica de Aprendizagem (SPA) (os participantes são invariavelmente aprendentes do e pelo inconsciente, sejam seminariantes-ouvintes ou ouvitnes seminariantes, sempre na posição de psicanalisante), entregam-se à produção de discursos destinados para sempre a inúmeras leituras PSICanalíticas.



No Seminário PSICanalítico e na Leitura PSICanalítica, diferentemente do que ocorre na Aula Analítica ou na Leitura Analítica perspectivadas pelo signo, o significante domina e não é dominado. De fato, no Seminário PSICanalítico e na Leitura PSICanalítica, o significante além de dominar fica para sempre indominável. A Interpretação PSICanalítica será, portanto, uma escansão sempre provisória e não um escanção, como escrevia um arrebatado portunhol, viciado e viciado em portunhol-chique, esse tipo de joycismo latrino-americananalhado, degradado e rebarbativo, pré-perverso e antesco, bem do gosto de antas bípedes implumes.

Os PSICanalisantes serviçais das amas-patroas, diferentemente dos PSICanalisantes da comunidade PSICanalítica de língua e de escritura, ficam incapazes de ler um chiste. Na Leitura PSICanalítica e nos Seminários PSICanalíticos, os PSICanalisantes lêem, de inúmeras formas o chiste, sendo que pelo menos uma – que é da natureza da Interpretação PSICanalítica – não pode não os fazer rir. Então, se há uma Lingüística PSICanalítica, o chiste é seu melhor exemplo. (Cf. Masotta, apud Rinty d’Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, in Una introducción a Lacan. BA: Lugar Editorial, 7ª ed, 1994. p 24.).



O significante gerador do significa está para a leitura da Escuta PSICanalítica assim como o significado hipotecador do significante está para a leitura da Escuta Analítica. Na situação PSICanalítica do Tratamento (SPT) ou do Seminário ou Aprendizagem (SPA), “... el significado es la lectura de lo que se escucha de significante.” (Rinty d’Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, in Una introducción a Lacan. BA: Lugar Editorial, 7ª ed, 1994).



Pontuar PSICanaliticamente diferentemente de Interpretar PSICanaliticamente é deletrear o significante, fazê-lo aparecer enquanto letra. Com a Pontuação PSICanalítica, o significante torna-se letra. Outrossim, a Interpretação PSICanalítica dá lugar a que o significante se torne letra, assim como o retorno do recalcado ao ser interpretado PSICanaliticamente torna-se letra. PSICanalisar é transformar o mal-entendido em letra, fazendo-o ficar patente ou desesquecido (alethé).



Por fim, lá onde há Significação Analítica (Aristóteles, Saussure), lá deve advir Significância PSICanalítica (Freud, Lacan). “Es imprescindible aclarar que la letra en el psicoanálisis no supone la lectura de un sentido oculto, sino la producción de sentido a partir de una cadena inaprensible como tal. Hacer letra es poner de manifiesto el malentendido y de ningún modo domesticarlo.” (Rinty d’Angelo, Eduardo Carvajal, Alberto Marchilli, in Una introducción a Lacan. BA: Lugar Editorial, 7ª ed, 1994, p. 32).





LÍNGUA <=> ESCRITA - A pontuação interpretante PSICanalítica está para a FALA assim como a interpretação pontuante está para a ESCRITURA.



Com o termo “língua”, conoto ALGO que posso produzir com meu corpo na presença de uma testemunha. Esse ALGO é, em primeiro lugar, minha fala. Tomo o termo “fala” enquanto gênero cujas espécies são as seguintes:

#1. a fala oral articulada - essa expressão carece de explicitações;

#2. a fala gestualizada com os membros ou extremidades do corpo ou certas partes do corpo (dedos, mãos, braços, pés, pernas, cabeça, etc.; rosto, orelhas, olhos, boca, etc.);

#3. a fala corporificada mediante movimentos do corpo, mediante posturas do corpo, mediante modificações do corpo (pele rubra, etc.);

#4. a fala escriturada ou a escritura falada como e-mail e o chat eletrônico falado com a ponta dos dedos ou escriturado com a língua digital das mãos.



Com o termo “escrita”, conoto algo que produzo diretamente com meu corpo, escavando sobre uma superfície mole ou dura, isto é, fazendo glifos, sulcos com os dedos ou com os pés; ou que produzo indiretamente sobre uma superfície, escavando-a, fazendo-lhes glifos ou sulcos com um instrumento, ou acrescentando-lhe algo com um instrumento, como tinta líquida ou seca (carvão, por exemplo), ou tinta eletrônica com o instrumento chamado computador. A partir do exergo posto no início desse texto, pode-se ver que a escritura pode ser escritura stricto senso, isto é, escritura impossível de ser falada, e escritura falada ou fala escriturada como no #4,



Estabelecidos esses dois reinos ou duas formas de realização da linguagem, “língua” e “escrita”, eis como vejo as especificidades de um e de outro.



O que a voz, gesto e movimentos ou posturas ou transformações do corpo são para a fala oral articulada, gesticulada e corporificada, a tinta acrescida e os sulcos escavados numa superfície são para a escritura.



Concebida dessa maneira, a escritura apresenta certas formações que bem podem ser consideradas pré-existentes à fala oralizada. Por exemplo, traços, rabiscos, desenhos sobre as rochas nas cavernas, etc. Evidentemente, nem se duvida que as falas gesticuladas e corporificadas precedem a fala oral articulada. E há uma fala oral inarticulada que não somente precede a fala oral articulada, como também perdura e persiste impregnada nessa última. Exemplos são os pigarros, as gargalhadas, os gemidos, os roncos, certas exclamações, os cliques, etc., para os quais praticamente inexistem possibilidades de representá-los com a escritura.

Estamos, de fato familiarizados com expressões do tipo: “Isso é inefável!”, “Não tenho palavras para dize-lo!” Todavia, não estamos acostumados a ouvir: “Isso é inescriturável!” Assim como há “coisas” que são faláveis, mas que ficam inescrituraveis, também há coisas que são escrituráveis, mas que ficam infaláveis.



Sempre me deixou curioso o modo como se falam e como se escrevem, nas diferentes culturas, por exemplo, o canto do galo ou o miado do gato. Evidentemente, um galo na China ou no Brasil, cantam igualmente. Eu aceito, embora não tenha feito a experiência, que se um galo do Brasil for levado para a China, ou vice-versa, não será possível diferençá-los a partir do respectivo canto. Um gato na época dos romanos e um gato da atualmente miam da mesma maneira. Mas, os chineses e os brasileiros dizem diferentemente pela fala e pela escritura tanto o canto do galo como o miado do gato.



O fato de um gato dos tempos dos Césares e um gato do presente miem igualmente e o fato de que um galo chinês e um galo brasileiro cantem igualmente provam que o imajário é universalmente fixo e fechado, no tempo e no espaço. Todavia, o fato de que os romanos de antes de Cristo e os cristãos da atualidade digam diferentemente o miado do gato e o fato de que os chineses de hoje e os brasileiros de hoje digam diferentemente o cato do galo provam que o simbólico é universalmente fixo mas aberto, no tempo e no espaço. O imajário constitui uma vez para sempre – uma vez é todas as vezes! – o miado do gato ou o canto do galo. O simbólico constitui todas as vezes transitoriamente o miado do gato ou o canto do galo.



O dizer pelas diferentes falas ou o dizer pelas diferentes escrituras por acaso é diferente! Será diferente somente quando um e outro desses dizeres forem perspectivados segundo o imajário ou o simbólico. Perspectivados dentro do imajário, o dizer pelas diferentes falas e o dizer pelas diferentes escrituras são homologamente os mesmos, isto é, idênticos, produzindo sempre o mesmo sentido. Perspectivados dentro do simbólico, o dizer pelas diferentes falas e o dizer pelas diferentes escrituras são homologamente os mesmos, isto é, idênticos, produzindo, porém, sempre diferentes significados.



Houve um tempo em que fazer filho era perpetuar-se ou eternizar-se, especialmente se o filho carregava o mesmo sobrenome do pai do pai. Houve um tempo em que construir o edifício de uma igreja ou escrever um livro significava perpetuar-se. Prêmio de consolação para o clero que não pode se perpetuar no rebento do filho?



Visto que a perpetuação é o delírio privilegiado do eu assim como o eu é o sintoma privilegiado do sujeito, resta-nos a tentação da celebridade e dos pódios. Memento homo quia puvis es et in pulverem revertebis. (Lembra-te, homem, que és pó e que ao pó retornarás.) Assim, digamos o que dissermos, pelas diferentes falas ou diferentes escrituras, tanto faz plantar árvores, fazer filhos, escrever livros, todos haveremos de passar. Mas dizer pelas diferentes falas e dizer pelas diferentes escrituras é prova que não estamos alienados nem mortos. Assim como pode haver vida e excelência antes da morte, assim também pode haver morte e alienação antes da morte.



Retornando de Paris, em 1993, observo com espanto que o pátio externo de meu Instituto de Psicologia ficara protegido por diversas cercas. Vivi aquele novo apagamento da liberdade como um início de uma série de outros apagamentos que, um após o outro, se sucedem vertiginosamente, com o aplauso calado de quase toda a juventude e da maior parte dos adultos desse país. Dos idosos, nem convém falar! Existe morte e alienação antes da morte! Uns versos toscos que então escrevi e que foram publicados no fim de um trabalho, trago-os agora novamente em nova mente:



Para o que vejo,

meus olhos se recusam olhar:

atrás de grades,

multidões de abandonados

protegendo-se da fúria de outros abandonados,

todos tendo em comum o mesmo princípio de abandonamento.

Quem porá limites

a esse gozo de abandonamentos sem fim?

Mas, é nessas constituintes de inferno,

é nesse princípio de abandonamento geral,

e é nessa anti-função paterna

que eu me reconheço brasileiro,

um estuprado nos seus direitos essenciais,

desde Cabral até Collor e todos os seus colares.

Mas, se você puder me dirigir o olhar e puder me dar a mão,

então haverá um abandonado a menos

e um cidadão a mais.

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